Nos bastidores da política nacional, circula a ideia de que o governo federal estaria avaliando formas de eliminar ou reduzir drasticamente o valor cobrado pelo transporte coletivo urbano para toda a população. A proposta reacende esperanças sociais, mas traz à tona dúvidas quanto à viabilidade técnica, financeira e institucional de sustentar um sistema gratuito em larga escala. A discussão assume contornos complexos diante da fragilidade das contas públicas e da diversidade de realidades dos municípios brasileiros.
Há exemplos práticos que ajudam a mapear os potenciais efeitos dessa iniciativa. Em diversos municípios onde já há gratuidade total ou parcial, observa‑se crescimento expressivo na procura pelo transporte. Estudos indicam aumentos que variam de dezenas a centenas de porcentagem, em função da atração causada pela gratuidade. Isso demonstra que remover tarifas pode alterar substancialmente a dinâmica urbana de mobilidade, mas também impõe o desafio de garantir que a oferta acompanhe a demanda de forma adequada.
No entanto, adotar um sistema totalmente gratuito ultrapassa a esfera local e exige articulação robusta entre estados, municípios e União. O financiamento não pode depender apenas de repasses pontuais ou de decisões isoladas. É necessário definir fontes sustentáveis e estruturar um pacto federativo que repense a lógica de custeio do transporte. Sem isso, existe o risco de que a gratuidade seja adotada de modo simbólico, mas gere colapsos operacionais ou déficits insustentáveis.
Além disso, nem todos os sistemas urbanos estão prontos para receber tal transformação. Cidades pequenas com redes relativamente simples mostram mais facilidade de adaptação, enquanto grandes metrópoles enfrentam obstáculos como limitação de frotas, desgaste da infraestrutura e desequilíbrios entre oferta e demanda. Muitas localidades ainda nem sequer têm planos de mobilidade adequados, menos ainda portfólios técnicos compatíveis com exigências de um modelo gratuito de transporte.
Também se impõe revisar o papel das empresas operadoras. Quando o transporte deixa de gerar receita direta pelas tarifas cobradas, as empresas dependem ainda mais de subsídios ou incentivos públicos. Isso exige contratos rigorosos com cláusulas de qualidade, metas de desempenho e mecanismos de controle. Se não existir contrapartida efetiva, o risco é uma redução nos padrões de serviço, que pode minar a própria função social da medida.
Outro ponto essencial é o alinhamento com outras políticas urbanas: transporte, uso do solo, planejamento urbano, mobilidade ativa e transporte coletivo integrado. A gratuidade perde sentido se for implementada isoladamente, sem que se repense como as pessoas se deslocam, onde residem e como trabalham. Deve haver sinergia entre essas camadas para que a medida não se perca em trajetórias longas, em circuitos mal conectados ou em sistemas fragmentados.
Por fim, cabe à sociedade acompanhar o debate e exigir transparência. O ideal é que os estudos técnicos usados como base sejam públicos, permitam participação cidadã e contemplem cenários realistas, inclusive simulando impactos econômicos, orçamentários e operacionais. A responsabilidade recai sobre gestores públicos, parlamentares e órgãos de fiscalização para que ideias não virem propaganda eleitoral, mas possam se transformar em políticas eficientes.
Em resumo, o anúncio de que o governo federal estuda zerar o preço do ônibus provoca esperança, mas exige atenção. Não basta prometer gratuidade ou redução expressiva se não houver respaldo técnico, financeiro e institucional para torná‑la sustentável. Se bem desenhado, esse debate pode redefinir o transporte urbano no país. Se mal conduzido, pode deixar legados de caos e sobrecarga às cidades que se aventurarem nessa proposta sem preparo adequado.
Autor: Richard Ghanem